Complemento da Ação: PARECER DO ASSESSOR JURÍDICO Nº 010/2020
PROCESSO 171/2020.
Proposta Legislativa: PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 006/2020.
Autoria: Chefe do Executivo Municipal;
Ementa: Altera o anexo I da Lei Municipal 1.355/2020, que dispõe sobre o Quadro de Pessoal Permanente e dá outras providências.
RELATÓRIO –A proposta do Chefe do Executivo busca regrar – formalmente – por instrumento legislativo, autorizado pela Câmara Municipal- a redução da jornada de trabalho de Assistentes Sociais e Psicólogos, atualmente estabelecida em 40 horas, reduzindo-a para 30 horas semanais, à vista do que dispõe a Lei Federal 12;317/2010.
Emerge da proposta o objetivo de tratar de forma igualitária aqueles servidores que, no desempenho de idênticas atribuições, estão sujeitos a jornada de trabalho diferenciada, à vista da vinculação ao Edital, realizado em datas diferentes e elaborados com pressupostos/requisitos, também diversos.
A mudança, se aprovada, alcança 12 servidores exercendo a função de Assistente Social, e 08 servidores que atuam como Psicólogo.
O projeto de lei complementar é de simples e objetiva redação não suscitando, por seu teor qualquer incursionamento jurídico quanto à sua elaboração.
É o relatório.
MÉRITO -O Prefeito Municipal detém legitimidade para iniciar o processo legislativo neste caso, como se deduz da leitura ao art. 106, I, e II, da Lei Orgânica Municipal.
A proposta traz, sob o ponto de vista jurídico, questão que gera, ao sempre, acirradas discussões, embora haja predominância quanto à supremacia do interesse público sobre as regras do Edital.
O CERNE da questão aqui, pois, diz diretamente com a relativização do regime jurídico do servidor, exposto no Edital, para adaptações que visam atender – prioritariamente – o interesse público, e, pelo que se deduz do texto apresentado, sem nenhum prejuízo para os servidores envolvidos, já que a redução da jornada de trabalho ocorrerá com manutenção do vencimento. Isso ocorre porque o Executivo quer dar tratamento isonômico aos profissionais que, exercendo as mesmas atribuições têm carga horária diferenciada, e o faz da forma menos onerosa. Explico: é que se houvesse de aumentar a carga horária dos demais servidores que encontram-se na mesma situação, haveria despesas para o Setor Público; daí, de claro entendimento, ser mais racional – e interessante ao Poder Público – reduzir a jornada, sem qualquer aumento de despesas.
É o que abstraio da intenção legislativa, como posta.
ANÁLISE JURÍDICA – Passo, adiante a enfrentar a questão posta e demonstrar sua viabilidade jurídica à vista da supremacia do interesse público sobre o particular e, especialmente, porque não há direito adquirido para o servidor público com relação a seu regime jurídico, decisão já realçada e ratificada diversas vezes pelo Supremo Tribunal Federal.
Do Edital O legislador constituinte originário definiu que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, a ser realizado de acordo com a complexidade do cargo e emprego, na forma prevista em lei, conforme disposto no art. 37, inciso II da Constituição Federal de 1988.
Parte-se da lição do doutrinador Hely Lopes Meirelles, exposta na obra “Direito Administrativo Brasileiro”, da Editora Malheiros, à p. 403, e conclui-se que cargo é o lugar instituído na organização do Serviço Público com denominação própria, atributos e responsabilidades específicos, criados por lei (no caso dos legislativos é admissível a criação por resoluções da mesa) e em número certo.
Ressalta-se que o cargo é destinado aos provimentos de caráter definitivo, e para ocorrer a investidura no cargo, faz-se necessária uma seleção de candidatos, robusta o suficiente para afastar o arbítrio imoral de escolhas direcionadas e determinadas por interesses políticos ou pessoais, e com a observância dos princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade, moralidade e publicidade.
Nesse contexto, a legalidade refere-se à submissão às leis (municipal, estadual, federal, conforme for o caso) e à própria Constituição Federal.
A impessoalidade veda que o certame favoreça uns em detrimento de outros. A isonomia exige tratamento igualitário para os que estão numa mesma posição. A moralidade indica a impossibilidade de serem criados requisitos contrários à ética. O princípio da moralidade tem como sub-princípios a boa-fé e a confiança. E a publicidade determina a necessidade de efetiva divulgação, em local de amplo acesso, em tempo e por tempo suficiente à divulgação geral e irrestrita. O edital consiste no instrumento utilizado pela Administração Pública para realizar o concurso público, adstrito à observância, entre outros, dos princípios citados e normas pertinentes.
Diógenes Gasparini, no texto “Concurso Público – Imposição Constitucional e Operacionalização”, inserido na obra “Concurso Público e Constituição”, coordenada por Fábio Motta, da Editora Fórum, 2005, à p. 64, ensina que:
(...) o edital do concurso de ingresso no serviço público é o ato administrativo, de natureza normativa, mais importante de todo esse procedimento, na medida em que fixa regras de obediência obrigatória tanto para a Administração Pública que deseja o concurso de ingresso no serviço público, como para os eventuais interessados e candidatos que dele participam. (...)
De sorte que, de forma semelhante ao que se diz em relação ao instrumento convocatório da licitação, pode-se afirmar que o edital é a lei interna do concurso de ingresso no serviço público.
A importância do conteúdo do edital evidencia o seu principal atributo, que é a vinculatividade.
Por sua vez, registra-se que na doutrina e jurisprudência pátria discute-se a extensão do que se vincula, se todo o edital ou partes dele.
E nesse aspecto, há jurisprudência no sentido de enfraquecer o que está no Edital (também chamado “lei do concurso”) para fazer valer a finalidade implícita nas regras constitucionais, portanto, em razão de um valor de cunho constitucional.
O Tribunal Regional Federal da 10ª Região (Apelação Civil nº 2000.33.00.020704-8/BA) manifestou-se no sentido que normas protetoras de direitos individuais prescritos na Constituição Federal possuem caráter vinculante, enquanto que normas protetoras de interesse público admitem aplicação flexível e interpretação evolutiva pela Administração Pública.
3. Do regime jurídico estatutário - Tema diverso de ato jurídico perfeito, no entanto, é o regime jurídico aplicado aos servidores públicos. O regime jurídico estatutário consiste no conjunto de direitos e obrigações estabelecidos unilateralmente pelo Estado para reger o vínculo entre a Administração e o servidor público, por meio da edição de normas jurídicas legais objetivas alteráveis também unilateralmente em função do interesse público.
Tradicionalmente, o regime estatutário tem como características principais:
a) natureza regulamentar ou objetiva (todas as cláusulas do regime são previstas em lei);
b) não contratualidade (como exposto no tópico anterior, a relação forma-se por um ato complexo, resultado da nomeação, posse e efetivo exercício, a relação é institucional);
c) instituição com supremacia do interesse público (as regras são gerais, impessoais, abstratas e não dirigidas a situações específicas de tal pessoa); e...
d) inexiste direito adquirido ao regime jurídico vigente à época da nomeação, posse e efetivo exercício.
Além disso, o regime jurídico estatutário pode ser previsto integralmente num estatuto geral, ou ainda em estatutos especiais quando haja necessidade de tratamento diferenciado, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia.
Considerando que os interesses da Administração Pública são mutáveis, até para acompanhar a evolução dos tempos e as novas necessidades da coletividade, não há como obrigar a permanência do estatuto em relação ao servidor, nem à Administração.
O doutrinador Celso Antônio Bandeira de Melo leciona na obra “Curso de Direito Administrativo”, da Editora Malheiros, 2008, à p. 252, que:
...no liame de função pública, composto sob a égide estatutária, o Estado, ressalvadas as pertinentes disposições constitucionais impeditivas, deterá o poder de alterar legislativamente o regime jurídico de seus servidores, inexistindo a garantia de que continuarão sempre disciplinados pelas disposições vigentes quando de seu ingresso. Então, benefícios e vantagens, dantes previstos, podem ser ulteriormente suprimidos. Bem por isto, os direitos que deles derivem não se incorporam integralmente, de imediato, ao patrimônio jurídico do servidor (firmando-se como direitos adquiridos), do mesmo modo que nele se integrariam se a relação fosse contratual, o que, todavia, não significa que inexistam direitos adquiridos no curso da relação estatutária. (grifos nossos)
Ademais, a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal (www.stf.jus.br/A Constituição e o Supremo), ao comentar os arts. 37 e 39 da Constituição Federal é no sentido de que “inexiste direito adquirido ao regime jurídico pelos servidores públicos”, senão vejamos alguns precedentes:
O princípio da irredutibilidade de vencimentos deve ser observado mesmo em face do entendimento de que não há direito adquirido a regime jurídico. Precedentes." (RE 387.849- AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 4-9-07, DJ de 28-9- 07) Servidor público estatutário — Inalterabilidade do regime jurídico — Direito adquirido — Inexistência — Remuneração — Preservação do montante global — Ausência de ofensa à irredutibilidade de vencimentos (...)
Não há direito adquirido do servidor público estatutário à inalterabilidade do regime jurídico pertinente à composição dos vencimentos, desde que a eventual modificação introduzida por ato legislativo superveniente preserve o montante global da remuneração, e, em conseqüência, não provoque decesso de caráter pecuniário. Precedentes.” (AI 679.120-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4-12-07, DJE de 1º-2-08)
A questão posta em análise cuida da alteração, por lei, de nova porcentagem a ser considerada no cálculo da parcela ‘Adicional de Produtividade’ e não de sua supressão, como dizem os agravantes. Na realidade, estes pretendem a permanência do antigo regime jurídico de vencimentos, em face da recente legislação, o que encontra óbice no reiterado entendimento desta Corte no sentido de que descabe alegar direito adquirido a regime jurídico. Respeitou-se o princípio da irredutibilidade de vencimentos (art. 37, XV da Constituição).” (RE 368.715- AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 17-6-03, DJ de 22- 8-03) (grifos nossos)
Dessa forma, com base na doutrina e jurisprudência pátria, tem-se pela possibilidade de alterações no regime jurídico estatutário, desde que respeitados os limites constitucionais e assegurado o “bom senso” por meio de regras transitórias exatamente para disciplinar direitos em mutação.
Pelo exposto, tem-se que:
a) o edital é vinculativo para Administração Pública e concursado, especialmente nos termos em que se encontra harmonioso com os direitos individuais assegurados na Constituição Federal.
b) atribui-se ao ato de ingresso no serviço público, resultado da nomeação, posse e efetivo exercício, os efeitos de ato jurídico perfeito, logo, o servidor que entrou em exercício após regular nomeação e posse tem seus direitos e deveres pré-estabelecidos, nos termos do edital e leis específicas vigentes à época desse ato completado, especialmente no que diz respeito às suas atribuições, local de trabalho, jornada e contraprestação pecuniária.
c) inexiste direito adquirido ao regime jurídico aplicado a servidor público, mas apenas direito de implantação do “novo” por meio da fase de transição, que contemple, além do interesse público, proteção aos direitos em mutação do servidor.
Pois bem, demonstrado pelos termos acima os pressupostos autorizativos para a alteração pretendida, temos que, salvo à vista de maiores e mais adequadas assertivas jurídicas, podem – e devem – ser aplicadas aos profissionais finalísticos das áreas de assistente social e psicologia, na forma como proposta.
Situação diversa, seria, se houvesse violação à irredutibilidade de salários (no contexto da mera redução da jornada), ou se fosse ultrapassada a jornada de 44 horas semanais (art. 7º, c/c art. 58 e ss. da CLT).
Destaca-se, ainda, que não há, na hipótese, qualquer impedimento pelos profissionais à cumulação de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com suas respectivas profissões regulamentadas, conforme previsto no art. 37, inciso XVI, alínea “c” da Constituição Federal. A exceção que pode ser oposta aqui, entendo, diz exclusivamente quanto à compatibilidade de horários no atendimento à supremacia do interesse público, ponto que cabe ao administrador público observar.
Nesse contexto, tenho que, em face da autonomia municipal, fundada no caput do art. 18 da Constituição Federal, verifica-se que o Município tem autonomia para dispor, por lei, sobre a jornada de seus servidores estatutários, desde que não ultrapasse o teto estabelecido no art. 39, § 3º c/c art. 7º, inciso XIII, ambos da Lei Maior.
Quanto à especificidade de tratar-se de servidores da área de saúde, pertinente ter em conta, - penso eu – que nessa área – tão prioritária- a União tem criado normas (inclusive sobre jornada) para disciplinar a atuação dos profissionais responsáveis pela implantação de seus programas, como as regras pertinentes ao Programa de Saúde da Família – PSF e NOB/RH/ SUAS (doc. anexo).
Realço que a fundamentação acima, com seus termos, não é criação intelectiva exclusiva deste Assessor, senão que foi em boa parte haurida em doutrina de administrativistas e juristas variados, para formar um convencimento que reputo sólido na análise da questão, salvo demonstração aprofundada em contrário.
DO QUÓRUM. Tratando como se trata de LEI COMPLEMENTAR, a regra a ser aplicada, será então, aquela do art. 88 da LOM, assim exposto:
Art. 88. As leis complementares somente serão aprovadas se obtiverem maioria absoluta de votos dos membros da Câmara.
DA VOTAÇÃO –A presente proposta legislativa NÃO REQUER em sua mensagem, seja processada em REGIME DE URGÊNCIA.
DO VOTO - Esta Casa de Leis tem adotado o voto simbólico em regra, sendo exceção quando aprecia veto do Prefeito Municipal, e o faz com base no Regimento Interno, em seu Art. 219.
CONCLUSÃO - Assim, tenho que O PROJETO DE LEI PODE SEGUIR SUA NORMAL TRAMITAÇÃO e indo às Comissões, se aprovado, ao Plenário para discussão e votação.
É como vejo, sob o aspecto jurídico-legislativo.
Marataízes, em 23 de março de 2020.
Edmilson Gariolli – Advogado – OAB-ES 5.887
Encaminho em anexo, parecer jurídico para apreciação das Comissões.
|