Recebimento: 26/02/2020 |
Fase: Para Parecer Jurídico |
Setor:Procuradoria |
Envio: 27/02/2020 09:01:26 |
Ação: Parecer Contrário
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Tempo gasto: 17 horas, 1 minuto
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Complemento da Ação: PARECER DO ASSESSOR JURÍDICO Nº 008/2020
Projeto de Lei n 007/2020- prot. 94/2020 – nº do processo 087/2020.
Autoria: Vereador Bruno Machado da Costa
Ementa: Altera o anexo I da Lei 1.839 de 8 de dezembro de 2015, que institui o calendário de datas comemorativas e eventos do Município de Marataízes/ES para fazer incluir no calendário do Município a festa religiosa “ARRASTA CRENTE”, que será realizada na data de 14 e 15 de fevereiro e dá outras providências.
RELATÓRIO – O vereador Bruno Machado da Costa inicia o processo legislativo, pretendendo incluir no calendário de festas (anexo I, da lei 1.839/2015), a Festa “ARRASTA CRENTE”, que será realizada na data de 14 e 15 de fevereiro.
Em sua JUSTIFICATIVA o nobre vereador informa que “A festividade é um evento Evnagélico que tem pr objetivo propagar o Evangelho de Cristo, bem como adorá-lo juntamente com moradore de nossa cidade e turistas (religiosos ou não) que vêm de toda parte do Brasil para conhecer as belas praias da Pérola Capixaba”.
O Corpo do projeto prevê, em seu art. 2º que “As despesas decorrentes da aplicação desta lei correrão por meio de dotação própria que será suplementada se necessário.”
Breve, brevíssimo relatório.
FUNDAMENTAÇÃO [1]–
I – DA ILEGALIDADE DA PROPOSTA LEGISLATIVA -Estabelece a Lei Orgânica que: Art. 106. Compete privativamente ao Prefeito, além de outras atribuições previstas nesta Lei: I - exercer com auxílio dos seus auxiliares diretos a direção superior da Administração Pública Municipal;
A interpretação que daí advém é que a inclusão de qualquer programa no calendário de festas do Município, é competência privativa do Prefeito.
Esta certeza – desde logo – já evidencia, sob o aspecto jurídico, óbice à consecução do objeto legislativo, porque proposto pelo Vereador, resultando em ilegalidade a iniciativa que – partindo do poder legislativo – imponha despesas ao Poder Executivo.
É que esse tipo de iniciativa, de início mostra-se contrário ao princípio segundo o qual, o ordenador desse tipo de despesa é exclusivamente o Chefe do Executivo.
Há, pois, no texto, expressa previsão de alocamento de recursos orçamentários para custeio da atividade proposta, sem, contudo, levar em conta que o vereador não pode, por iniciativa concorrente, criar despesas para o Chefe do Executivo Municipal, pois, equivaleria a uma usurpação de legitimidade, além de violar o princípio constitucional da separação dos poderes.
O entendimento decorre da interpretação de que, a inclusão dde uma nova proposta de “festa” festa no calendário, obrigaria o Município a carrear recursos para sua realização, submetendo o Chefe do Executivo a comando legislativo nascido de quem não possui competência para editá-lo, s.m.j..
CONCLUSÃO – I - Não vejo, pois, no ponto, como considerar a proposta legal e apta a seguir seu normal processo legislativo, salvo melhores e maiores esclarecimentos que demnstrem o equívoco no entendimento acima.
II – INCONSISTÊNCIAS NA DEFINIÇÃO DO EVENTO – A proposta, nem por si, ou mesmo pela justificativa, deixa claro (i) como ocorreria o evento, (ii) qual a instituição que titularizaria a “festa”. Do mesmo modo (iii) não há clareza quanto à data de realização do evento, se estaria previsto para este ano de 2020, (14 e 15 de fevereiro) ou se nestas datas, em anos futuros ocorreria, ou mesmo se estaria vinculada ao período carnavalesco.
III- DA INCONSTITUCIONALIDADE[2] - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LAICIDADE – ART. 19, I DA CF - Há, ainda, um outro ponto que urge ser aqui discutido, e que pode alargar-se como base de entendimento para outras propostas legislativas que resultem em desembolso de dinheiro público para eventos religiosos, especialmente aqueles que se destinam a privilegiar um ou outro culto, independentemente de qual seja.
Nesse contexto, importante ter em conta que o BRASIL É UM ESTADO LAICO, implícitamente admitido pelo texto constitucional e pela prática de seu povo.
DA DOUTRINA - O Estado Laico é aquele que não adota uma religião como oficial e permite a liberdade de crença, descrença e quaisquer religiões, com direitos iguais para todas, mas elas não podem influir nos rumos políticos e jurídicos da nação.
É o que rege a Constituição Federal do Brasil de 1988, no art. 19, inc. I, vedando as relações de dependência ou aliança com quaisquer religiões.
Vejamos:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
Dessa forma, entende-se que laicidade é a doutrina que identifica a separação entre Estado e religião, de forma que não haja confusão entre o Estado e uma instituição religiosa e não permite que o Estado seja influenciado por uma religião determinada.
Vale destacar que Estado Laico não é Estado ateu, pois permite que os cidadãos possam manifestar sua crença, como também sua descrença.
Na análise de Santos Júnior (2017), laico é o caráter de neutralidade religiosa do Estado, ou seja, pois não dá privilégios a nenhuma religião em particular, e também a política não se deixa determinar por critérios religiosos.
Assim, Estado e instituições religiosas não sofrem interferências recíprocas no tocante às finalidades institucionais. Contudo, não se pode confundir interferência com influência, ou seja, não é proibido que grupos de religiosos postulem a adoção de políticas públicas em algum sentido, mas o que se espera da decisão estatal é que a decisão não seja determinada pelo pensamento religioso.
O Estado brasileiro, ao vedar todos os entes federativos à manutenção de relações de dependência com instituições religiosas, proibiu-se a teocracia, para que não haja confusão entre Estado e Religião.
Ao vedar ao Estado à manutenção de relações de aliança com instituições religiosas, proibiu-se que a religião influenciasse nos rumos políticos e jurídicos da nação.
Ao vedar o estabelecimento e subvenção de cultos religiosos ou igrejas, proibiu-se uma religião oficial e o caráter confessional do Estado.
Por fim, ao vedar as distinções ou preferências de brasileiros entre si, proibiu-se o estabelecimento de privilégios, que são vantagens entre as diversas religiões entre si.
Contudo, a parte final do inc. I do art. 19 da Constituição Federal de 1988 afirma que, se a instituição religiosa estiver desenvolvendo atividades beneficentes e úteis a sociedade, poderá receber a colaboração do Estado. Mas isso só pode acontecer se o Estado considerar útil para um fim pretendido pela coletividade sem nenhuma relação com a crença em si.
Segundo Zylbersztajn (2017), “o Estado brasileiro tem o dever de garantir que os cidadãos exerçam sua religiosidade de maneira livre”, assim não pode tornar novamente uma religião como oficial ou mesmo prejudicar o exercício das diversas religiões.
Nota-se que não há nenhum dispositivo de lei que expressa que a República Federativa do Brasil é um Estado laico. Mas sim, diretrizes gerais que garantem a igualdade e liberdade para o exercício das religiões
Merece destaque a abertura que a Constituição Federal oferece acerca da colaboração recíproca de interesse público, na forma da lei, contido no art. 19, I, da CF de 1988.
No Brasil, diversas iniciativas de religiões, sobretudo relacionadas a obras de caridade e assistenciais a idosos, crianças e adolescentes, doentes, imigrantes e prisioneiros, como por exemplo a iniciativa da Igreja Católica da Pastoral da Criança que presta serviço à população carente, contando com o apoio do Estado para o desenvolvimento de suas ações.
Há também iniciativas próprias do Estado de pedir a colaboração da Igreja, como é o caso do Amicus Curie, solicitando a opinião no julgamento ou elaboração de alguma norma, como foi o caso da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 54 julgado pelo STF, que pediu a opinião da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, da Igreja Católica) sobre a interrupção da gravidez no caso de anencefalia
DO ACOMPANHAMENTO DA MATÉRIA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL – ADVERTÊNCIA - tem-se, ainda, que há uma NOTIFICAÇÃO RECOMENDATÓRIA do Ministério Público ao Chefe do Executivo, para que se abstenha de determinadas práticas que, segundo aponta, estão sendo objeto de investigação no Inquérito Civil nº 2019.0017.7594-54, valendo descrever o seguinte trecho daquela Recomendação:
“....Considerando que constam no Calendário de Datas Comemorativas e Eventos do Município de Marataízes, alterado no ano de 2019, 31 (trinta e uma) festas, além do verão e carnaval. Festas estas que não são tradicionais neste Município e que até poquíssimos anos atrás, em sua maioria, sequer faziam parte deste calendário.... etc...
NOTIFICAR, em caráter recomendatório, o Prefeito Municipal ROBERTINO BATISTA DA SILVA, o Secretário de Turismo ALBERTO MELLO DA SILVA e o Procurador Geral do Município Dr. GEDSON BARRETO DE VICTA RODRIGUES, para que:
Envidem esforços na redução do Calendário de Datas Comemortivas e Eventos do Município de Marataízes, ou deixem de patrocinar alguns desses eventos, ante o alto custo das festividades, o que ao certo ocasiona o excesso de gastos com shows artísticos e estruturas para os eventos.
(...)”
Ao certo que o empenho não deve ficar restrito aos notificados, mas, no mesmo plano, aos vereadores, autores de projetos de lei que insiram novos eventos no calendário, sendo, pois, o caso da presente proposta.
Ademais, não se deve esquecer que o vereador possui parte de recursos da Emenda Impositiva (0,6%) para realização de outras atividades que não a área da saúde, o que, então, a ser estudado, poderia encampar a destinação de recursos para entidades religiosas na execução de trabalho social de evidente interesse público.
CONCLUSÃO –PROPOSTA LEGISLATIVA - ILEGALIDAE E INCONSTITUCIONALIDADE -Forte nestas razões ,sou de entendimento que a presente proposta não deve seguir seu normal processo legislativo, pois, ainda que assim ocorra, contrariando dispotivo legal, ea Constituição ems eus preceitos normativos ( art. 19, I) deve ser, em sua origem, em seu nascedouro, objeto de acurada análise sob o ponto de vista políticio e jurídico, para evitar a constituição de programas de financiamento de “festas” com caráter eminentemente religioso, com posspivel conotação de agregamento de interesse político.
É como vejo.
Marataízes, em 19 de fevereiro de 2020. Edmilson Gariolli
OAB-ES 5.887
Assessor Jurídico.
[1] texto pesquisado: Rodolfo Cabrini De Oliveira prof. me. Rodrigo Freschi Bertolo (orientador)
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Documento(s) da tramitação:
Despacho Digital
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